Tem coisas na vida que a gente não consegue prever, mal entende e muito menos seria capaz de explicar. Algumas vezes, essas estão entre as melhores coisas que podem acontecer. E é assim a relação de Alana Kane (Alana Haim) e Gary Valentine (Cooper Hoffman), o casal [ou não-casal ou meio-casal?] protagonista de “Licorice Pizza”, novo filme do diretor Paul Thomas Anderson, que também assina o roteiro e está indicado a três categorias principais no Oscar deste ano: Melhor Filme, Melhor Direção e Melhor Roteiro Original.

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Talvez seja importante começar dizendo que a definição da relação dos personagens, se são um casal ou não, pouco é relevante. É, ainda, nessa indefinição que está grande parte da autenticidade e originalidade dessa interação. Criar um casal possível, um namoro claro e uma linha de romance com direito a primeiro encontro, cenas de ciúmes e idas e vindas, seria óbvio e sem graça demais. Assim, acompanhamos uma dupla que dança entre o incoerente e o fascinante ao longo de fases em suas vidas em que essa parceria é o que há de mais forte e necessário para que unam forças e enfrentem inseguranças em direção a descobrirem quem são – juntos ou separados.

Essa amizade que pode parecer confusa, na verdade, já se apresenta de forma clara desde o início. Em um diálogo digno de “Annie Hall”, Gary conhece Alana enquanto se preparada para tirar a típica foto de final de ano na escola. Enquanto ele se encanta à primeira vista, ela demonstra todo seu desinteresse enquanto o acompanha como parte da equipe de fotografia, mais um dos bicos que faz por aí. Gary não pensa duas vezes para a chamar para sair. Alana mal pode acreditar na confiança do garoto. De alguma forma, porém, uma sincronicidade está no ar desde então. 

É no espírito aventureiro dele e na sagacidade dela que eles encontram mais em comum do que se poderia imaginar. É então que nos é proposto reconhecer como existem relações em que pouco realmente se pode explicar. Um dos pontos altos do roteiro de Anderson, aliás, é como ele colabora gentilmente com seus protagonistas ao deixar claro que nenhum dos dois é livre de falhas e decisões questionáveis. Pelo contrário. Seus erros e vulnerabilidades nos aproximam ainda mais desses personagens confusos, perdidos e que andam em círculos em busca de algum tipo de pertencimento. 

Ao contrário dos dramas intensos do diretor como “O Mestre” e “Sangue Negro”, porém, “Licorice Pizza” (na tradução: pizza de alcacuz) é repleto de humor, irreverencia e muitos – muitos! – momentos absurdos. O filme é um dos mais divertidos da temporada de premiações pelo simples fato de ser preenchido por momentos e personagens tão aleatórios, que constantemente nos levam a pensar o que diabos está acontecendo. Assim, vemos um brincar na tela de tramas que envolvem desde personagens caricatos até fotografias que emulam outros gêneros cinematográficos. Tudo isso para compreender um universo fantasioso de quase psicodelia em meio a Los Angeles dos anos 1970. 

É nesse cenário, diverso e divertido, que acompanhamos Alana e Gary em altas aventuras. Uma trilha sonora marcante envolve belas cenas, ao longo de todos os momentos e empreitadas que realizam juntos. ‘Juntos’ sendo a palavra imperativa. “Licorice Pizza”, enfim, é sobre um encontro inesperado e tudo de inesperado que surge dele. De forma divertida, vemos uma relação tão forte quanto frágil em meio as plasticidades desse mundo real. Por isso, não espere lógica ou bom senso, mas as imperfeições entre os momentos altos e baixos que nos acompanham ao longo do caminho. Afinal, ter alguém com quem contar envolve de tudo isso um pouco – e um tanto mais.