Lembro muito bem de ter lido em 2004 “Um Certo Capitão Rodrigo”, livro do gaúcho Érico Veríssimo que compõe a saga “O Tempo e O Vento” e, diferente de todos os entediantes livros que tinham leitura obrigatória no colégio, esse me cativou do início ao fim. O estilo agradável e empolgante da narrativa, além do carisma de seu personagem principal desde então me fizeram ansiar por uma adaptação cinematográfica que fizesse jus à obra de Veríssimo. Eis que, quase dez anos depois, sob a direção de Jayme Monjardim (“Olga“), a história das famílias Terra, Cambará e Amaral chega aos cinemas de forma bela, porém com muitos tropeços.

Em “O Tempo e O Vento” são quase dois séculos que vão acompanhar a trajetória da família Terra, narrados por uma acamada e idosa Bibiana (Fernanda Montenegro) a partir do nascimento de Pedro Missioneiro (Martín Rodriguez), cuja mãe indía foi resgatada pelos missionários jesuítas, contudo, a tragédia viria ao encontro da missão trazida pelos castelhanos anos depois, até que Pedro, vagando pelos pampas e já adulto, aparece em situação de enfermidade diante de Ana Terra (Cléo Pires). A desconfiada família Terra, chefiada por Maneco (o sempre ótimo Luiz Carlos Vasconcellos),  cuida do “índio” que, ao contrário dela, sabe ler e se mostra muito solícito àqueles que salvaram sua vida. No entanto, Ana aos poucos se sente atraída pelo rapaz e ambos não resistem à perigosa paixão, o que lhes acaba saindo muito caro. Mais incidentes trágicos acabam levando Ana Terra e agora seu filho Pedro rumo a Santa Fé, vilarejo erguido pelo coronel Ricardo Amaral (José de Abreu). Lá a família permanecerá por gerações, a princípio em paz, até a chegada de um certo capitão Rodrigo Cambará (Thiago Lacerda), um estranho fardado vindo de sabe-se lá onde e que desde que chegou não tira os olhos da jovem Bibiana (Marjorie Estiano), tornando-se o vetor das desavenças entre os Terra e Amaral.

Considerando ser o arco de maior tempo na projeção, Lacerda segura o filme e consegue muito bem representar o carisma do Capitão, sobretudo em suas primeiras cenas, quando trava diálogos divertidos seja com o irmão de Bibiana, Juvenal, ou com o Padre Lara (Zé Adão Barbosa), enquanto que por razões de corte ou de roteiro os personagens de AbreuEstiano e Paulo Goulart, dentre tantos outros, por exemplo, pouco se desenvolvem diante da trama que acaba se mostrando uma representação do cotidiano da família Terra-Cambará, volta e meia abrangendo assuntos da Revolução Farroupilha e Revolução Federalista, abaixando as expectativas de quem esperava aquelas tomadas épicas de exércitos de farrapos vistas na excelente mini-série “A Casa Das Sete Mulheres“, também dirigida por Monjardim. Mudanças de atrizes com intenção de envelhecer as personagens Ana e Bibiana (além de servir como transições de tempo que se tornam recicladas) causam um estranhamento, até porque elas pouco acrescentam à narrativa com exceção de, claro, Fernanda Montenegro.

Algumas das “marcas registradas” do diretor também estão presentes no filme. Perde-se a conta de planos ao pôr-do-sol ou ainda tomadas de ambientação valorizando as belas locações do Rio Grande do Sul, aliada a paleta de cores sempre viva do diretor de fotografia Affonso Beato, e também habituais planos fechados nos rostos dos atores, o que pode desagradar quem espera ter uma experiência menos novelística. O cuidado com os cenários e adereços é precioso, ficando a par de muitas produções estrangeiras de renome, e o figurino não é deixado de lado; favorecido pelos closes, é possível notar a riqueza no detalhamento das roupas dos personagens e figurantes.

 

 

Apesar de conter um número de atuações forçadas, assim como problemas de roteiro e montagem a parte (sobretudo no terceiro ato), a direção de “O Tempo e O Vento” e equipe merecem menções honrosas por trazer às telas um filme diferente do habitual, principalmente por ressaltar a cultura do Sul do Brasil que é tão rica e muitas vezes oprimida no cinema nacional, com um resultado emocionante que poderia talvez se estender em uma trilogia cinematográfica, mas que ainda encontra dificuldades em alcançar um público acomodado a acompanhar mini-séries em todo início de ano.

 

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