Por alguma feliz razão fomos brindados com a estréia – ainda que limitada – de um dos filmes mais interessantes lançados no ano passado. Baseado na obra de humor homônima de Shakespeare, “Muito Barulho Por Nada” é um achado independente, dirigido pelo responsável do suprassumo pop, “Os Vingadores”, Joss Whedon, que surge na filmografia do diretor e na reverência à narrativa shakespeariana como um exercício de estilo perspicaz e deliciosamente divertido.

 

A razão à qual o projeto veio à tona, segundo entrevistas e notas da produção, se justifica numa brincadeira de Joss Whedon, que organizou uma equipe em sua casa, na Califórnia, durante suas férias, após a produção de “Os Vingadores”, decidido a lançar um filme em co-produção com sua esposa, num selo independente, e numa estrutura visual completamente diferente das quais as obras de Shakespeare costumam ser filmadas. Mantendo-se na forma clássica apenas o texto e a filmagem preta e branca – referência clara a atmosfera social daqueles personagens -, Whedon modernizou a ambientação e buscou transformar o cinismo amoroso e comportamental da trama num estudo abrangente de personagem e daquilo que o próprio cinema pode usar e/ou exercer como artifício manipulador. E logo na abertura do filme estabelece-se um idéia subvertida, onde um casal, ainda desconhecido do espectador, desvincula-se rispidamente um do outro, após uma noite amorosa, que se compreende na seqüência de apresentação de ambos à trama, Alexis Denisof como Benedick e a ótima Amy Acker como Beatrice: dois personagens orgulhosos, e química incontestável, que surgem de primeira instancia como coadjuvantes de si mesmos, mas, ao desenrolar dos fatos, trazem consigo um sentimento de (re) encontro do amor perdido, ao invés da busca pelo novo. Brincadeira esperta essa com o uso da imagem, desmistificando a busca pelo amor, e por conseqüência a sua forma clássica, demonstrando uma fórmula incomum de interpretação textual, e na qual também se entende toda a genialidade de Whedon no manuseio de idéias e do estilo.

 

Desde o código humorístico transposto ao título que diz “Muito Barulho Por Nada”, para se compreender toda a perspicácia impressionista de Whedon é preciso levar em conta que o estilo aqui é um personagem importante à trama. No uso natural da luz em contraste degrade com as cores como elemento dramático; ou mesmo nos inúmeros devaneios performáticos do elenco, que se utilizam da sexualidade como objeto de manipulação social e amorosa. Não fosse a subversão do humor em um drama denso, capturado dos sinais textuais e da interpretação exagerada da trama, os artifícios fílmicos de Whedon facilmente enganariam, e a reunião de um grupo de amigos fazendo piada de si e dum estilo de vida elitizado, tão plastificado quanto uma novela mexicana, tornar-se-iam quase antagônicos à (des) interpretação do filme e do texto de Shakespeare como artigos de um debate, à custa do amor, a ser feito em longo prazo.

 

 

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