Do assobio característico a viagem da câmera pelo bairro de Nova York em seus primeiros minutos, a versão de Steven Spielberg do clássico “Amor, Sublime Amor” referencia o filme de 1961 em momentos pontuais enquanto extrapola todo seu potencial em uma adaptação única do musical. A trama que reconta a história de “Romeu e Julieta”, uma das peças mais adaptadas de Shakespeare, contém um enredo reconhecido, mas que encontra aqui a excelência em cada detalhe da direção de Spielberg.

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Logo em seu início, algumas escolhas deixam clara a personalidade da produção e seu destemor em fazer deste um filme marcante – em todos os aspectos. Aliás, coragem, sabedoria e autenticidade são realmente características necessárias para reviver uma história que fez História cinco décadas atrás. A primeira versão de “Amor, Sublime Amor” ganhou não só corações cinéfilos como premiações diversas. Dentre elas, a de Melhor Filme e mais nove estatuetas do Oscar. Este ano, o filme novamente concorre a premiação, e restam apenas alguns dias para descobrir quem sairá ganhando.

Também é nesses primeiros minutos que essas escolhas nos convencem que além das referências e homenagens, há mais aqui para ser admirado. De fotografia a direção de arte, cenários e figurinos, mise-en-scene e coreografias. De tudo um pouco. No caminhar dos Jets pela cidade, a saturação transborda o calor do asfalto e da rixa entre as gangues de descendentes de irlandeses e dos porto-riquenhos, os Sharks, mais novatos no bairro. O ponto de partida da história está ali, assim, em panorâmicas e jogos de câmeras que percorrem as ruas e acompanham os jovens que combinam passos de caminhada com passos de coreografia.

Na cena de balé nada clássica, se dá a suavidade e firmeza de quem domina e clama o espaço com tranquilidade e violência. É através do andar em bando e da rivalidade que Mestre Spielberg aproveita para viajar com a câmera e abrir panorâmicas entre planos detalhes, para aproveitarmos tudo que a cena tem a oferecer. É na música e na dança, na trilha que embala a discussão no filme sem diálogos até então, que se mostra não apenas o tipo de filme que estamos prestes a ver, mas também qual será a sua forma de contar essa história.

E a forma não se limita a seu gênero musical, abrangente em suas possibilidades, porém a maneira – sublime – e energética que o confronto dessas duas realidades se desenrolará. É só depois dessa apresentação tão simbólica e já tão repleta de qualidades, que vem o casal Shakespeariano. É quando esse par impossível se encontra por acaso em um baile que a rivalidade entre os grupos se torna mais pessoal do que nunca. A questão ainda é ocupar o mesmo espaço na cidade, mas agora o conflito ganha uma desculpa para os personagens e uma força emocional para o público.

Assim se dá a nova ambientação de uma história tão conhecida. Afinal, quem poderia explicar o amor de Julieta e seu Romeu? Ou de Maria e Tony? Em uma paixão arrebatadora, a polêmica e a juventude se fundem sem meios de explicar. Apenas há e acontece. Nas mãos de Ansel Elgort e Rachel Zeler, eles ganham toda a delicadeza, inocência, esperança e deslumbre que os personagens requerem – e merecem. Para quem conhece a história, é possível reconhecer muitos outros personagens que chegam diretamente do texto do bardo. Teobaldo, que é aqui irmão de Maria, Bernardo. Mercúcio se torna Riff, melhor amigo de Tony e líder dos Jets. Páris é Chino, interessado em Maria e aprovado pela família. Anita tem traços da Ama, e por aí vai.

Até mesmo Frei Lourenço se torna Valentina, a dona da farmácia que dá uma segunda chance a Tony, interpretada por ninguém menos que Rita Moreno, quem originou a emblemática Anita na versão original. A cunhada de Maria dessa vez é interpretada por Ariana DeBose, atriz que tem sido um dos destaques nessa temporada de premiação e tem tudo para levar o Oscar no final de março. Assim como ela, as interpretações de todos aqui são excelentes. Enquanto Ansel Elgort surpreende, Rachel Zegler é a revelação da temporada.

Embalados pelas canções de Stephen Sondheim, autor dentre os maiores que já existiram no teatro musical, o elenco emociona ao cantar e arrasa em números de dança empolgantes, que formam um espetáculo à parte. Spielberg realmente prova seu posto de excelência e grandiosidade nesta produção. Tudo que pode e sabe fazer é posto para jogo, em uma performance dentre as maiores de sua carreira. Quem diria, em um musical. É assim que o diretor retoma certeiramente sua forma e alcança o público. Que sorte a nossa, fãs de musicais. A torcida pelo Oscar, aqui, já está garantida. E por aí, como estão suas apostas?