Fazia um bom tempo que eu não revia “Chicago” e é curioso o quanto o filme cresce aos meus olhos a cada nova experiência. Absorvendo da premissa pré estabelecida da Chicago marginal e completamente masculina, o filme de Rob Marshall brinca com as possibilidades de um musical fosseano para tratar com boa dose de humor a polêmica da mulher e a sua imagem em função do entretenimento. Não muito além do que é visto atualmente no cinema hollywoodiano – e inclusive na música pop americana, onde o fetiche feminino é desmistificado pela exploração sexual banalizada de artistas como Miley Cyrus e Robin Thicke -, essa “Chicago” idealizada por Marshall faz uso da mulher criminosa e símbolo sexual numa dinâmica peculiar onde à ironia é o personagem central no deslumbre pictórico dos números musicais.

 

Basicamente idêntico em sua premissa a qualquer musical da Broadway, a trama de “Chicago” é centrada na obsessão de Roxie Hart (Renée Zellwerger) em ser vedete num vaudeville, custe o que custar. O sonho da jovem se torna uma possível realidade quando ela é presa pelo assassinato de seu amante, um típico cafajeste que inventa qualquer desculpa para levar uma mulher para a cama. Sendo a prisão o passaporte para o estrelato, ironicamente, a problemática da trama em “Chicago” se desenvolve numa competição plasmada pelas detentas – em especial entre as rivais Roxie Hart e Velma Kelly (Catherine Zeta Jones) -, justificada pela busca da atenção dos holofotes para seus devidos casos. Sendo assim, através da exploração calculada de suas origens e das motivações que as levaram ser presas, as moças planejam formas mirabolantes de obter a atenção midiática, orquestradas sempre pelo charmoso –e usurpador- Billy Flyn (Richard Gere), que se utiliza das trucagens advogais e de uma persuasão excêntrica na realização de um show espetaculoso e manipulativo diante de juízes, júris e jornalistas, esses que surgem na trama de Roxie Hart como meros catalisadores de suas peripécias na ânsia pela fama. Não fosse a liberdade ficcional de um musical deslumbrantemente excessivo, cenas como a de Billy Flyn defendendo Roxie na corte seriam momentos meramente episódicos dentro da demasia dinâmica e subjetiva de Rob Marshall.

 

 

Para além do fascínio de Marshall com a teatralidade das personas criadas por seu elenco nessa construção mitológica de “Chicago” quanto ventre da marginalidade, é bem interessante analisar o filme não apenas pelos contrastes de personagens, mas também dos ambientes aos quais eles se deslocam dentro da trama. São pequenos códigos implantados à essência de cada um, transformando-os em (anti) heróis vulneráveis de suas próprias ditaduras – o sucesso, o fracasso, o amor platônico –, que dinamizam o contraste dos devaneios musicais com a ficção e a realidade desse cinema de Rob Marshall. E o que acaba ficando vago nas arestas do filme, principalmente ao seu terceiro ato, quando o diretor já não tem mais controle do que é necessário à trama, do que é homenagem à genialidade de Bob Fosse, ou do que é propriamente cinema, a perspicácia do texto em reunir as rivais num último suspiro de soberania feminina, justamente visando o lucro pela rivalidade de ambas, diz muito não apenas sobre a indústria hollywoodiana e sua crueza, mas, sobretudo, das necessidades pessoais intervindas pelo bem comum, social.  

 

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